data-filename="retriever" style="width: 100%;">Fotos: Renan Mattos (Diário)
Uma cena urbana recorrente e que há tempos tem levantado questionamentos na cidade culminou em uma iniciativa encampada pela Procuradoria da República em Santa Maria em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai). O projeto é pioneiro no Estado e voltado, principalmente, à proteção da criança indígena.
Conforme a procuradora da República Bruna Pfaffenzeller, ainda em 2014, o MPF vinha sendo acionado por cidadãos e órgãos - inclusive pela Comissão Permanente de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de Vereadores -, sobre a ocorrência de crianças indígenas desacompanhadas e pedindo contribuições financeiras no centro da cidade. As representações foram inicialmente concentradas em um inquérito civil (nº 1.29.008.000400/2014-85). Após interlocuções com lideranças indígenas e conselheiros tutelares, compreendeu-se que as maiores dificuldades para tratar a questão passavam pela falta de conhecimento dos órgãos quanto às peculiaridades étnico-culturais. Em Santa Maria, são etnias Caingangue com cerca de 50 pessoas e Guarani, com 110.
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Foi, então, que o MPF arquivou o inquérito e instaurou um procedimento administrativo (nº 1.29.008.000109/2019-11), focado precisamente no "acompanhamento do processo de capacitação de Conselheiros Tutelares, professores/diretores das Escolas Indígenas, lideranças de comunidades indígenas a ser desenvolvido pela Funai, visando à abordagem e encaminhamentos nos casos de verificação de exposição de crianças indígenas à prática de mendicância."
- A partir das provocações do MPF, os conselhos tutelares iniciaram uma aproximação com a comunidade indígena para conhecer melhor as características e criar laços de confiança. Aí, que surgiu a ideia do projeto, mesmo em meio à pandemia, como forma, inclusive, de darmos voz às nossas comunidades e aproximarmos os órgãos de assistência - explica Bruna.
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A procuradora menciona, por exemplo, o Pororó, prática cultural, especialmente dos guaranis, em que as mulheres sentam-se em panos colocados no chão de espaços públicos, acompanhadas ou não de suas crianças, onde comercializam suas produções artesanais e recebem valores de não indígenas
- Eles não consideram isso mendigar. É uma troca. As crianças veem os pais e repetem o comportamento cantando, dançando, ou apenas pedindo. Segundo a conselheira tutelar Bianca, que participou do projeto, uma das preocupações do órgão era a de adolescentes que estavam fugindo das aldeias e vindo para o Centro, bem como a venda de artesanatos pelas próprias crianças:
- O Conselho Tutelar nunca havia tido uma capacitação e a abordagem nem sempre era fácil. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é o mesmo, mas indígenas têm uma cultura que precisa ser respeitada. O que para nós, moralmente, pode não ser certo, para eles não é uma violação. É um a linha tênue e complexa. Algumas pessoas criticam venda do artesanato por crianças, enquanto para eles, os filhos são uma responsabilidade, por isso, estão sempre junto. Uma coisa estarem acompanhados de suas mães, outra é estarem sozinhos vendendo ou sendo explorados - explica.
Para o cacique da aldeia Tekoa Guaviraty Porã, Jonata Benites, o projeto já trouxe impactos positivos perceptíveis:
- A gente conversou e ninguém mais fugiu. É a primeira vez em sete anos que o Conselho Tutelar nos procura dessa forma, preocupado com nossa cultura. E o projeto é importante para dar visibilidade ao indígena.
AÇÕES data-filename="retriever" style="width: 100%;">
No dia 9 de setembro, realizou-se o primeiro encontro virtual com representantes do MPF, da Promotoria de Justiça Regional de Educação, Funai, escolas indígenas locais, do Conselho Tutelar, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Foi criada uma rede de diálogo e criação de um grupo de WhatsApp para acionamento em casos pontuais. Já na última quinta-feira, ocorreu uma capacitação com participação mais efetiva das lideranças indígenas destacando seis aspectos principais (veja ao lado).
- A situação das crianças e adolescentes indígenas em situação de risco desafia a atuação coordenada dos mais diversos órgãos públicos que devem buscar uma solução dialogada e construída com a participação da sociedade, buscando observar os modos de ser, fazer, criar e viver de cada uma, e sem perder de vista o direito fundamental à proteção plural e prioritária desses infantes. A ideia é que os participantes desses dois encontros sejam replicadores, dos conhecimentos adquiridos. - pontua a procuradora Bruna.
Caso haja identificação de algum risco à criança indígena, pode-se acionar o Conselho Tutelar, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente ou o cacique, que nesse caso, é considerado autoridade máxima no assunto.
Principais aspectos abordados no projeto
- Pororó versus mendicância infantil
- Abusos físicos e psíquicos (por castigos imoderados, violências sexual e moral) e a rede de proteção ao infante vitimado
- Harmonização das práticas da medicina tradicional indígena com a assistência à saúde prestada por órgãos e instituições públicas
- Perspectivas étnico-culturais acerca da gravidez de adolescentes
- Ensino de modos tradicionais de vida, cultivo e artesanato às crianças versus trabalho infantil
- Escolas e atividades não presenciais em tempos de pandemia, pré-escola e educação infantil
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No dia 11 de março, o MPF instaurou um procedimento administrativo para acompanhar as medidas tomadas pelos órgãos públicos no enfrentamento à pandemia nas comunidades indígenas de Santa Maria. À Funai, o órgão pediu que fosse garantida a entrega de alimentos, e ao município cestas básicas e kits de higiene,
A Funai informou ainda que atuava para aumentar a soberania alimentar nas aldeias, com a produção de alimentos para o consumo próprio como hortas e a para criação de galinhas.
Já o Ministério da Saúde, por meio da a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), informou ao Diário, ainda em abril, que não divulga a localidade ou a etnia dos pacientes com Covid-19. Os números disponíveis para acesso, divulgados por meio de boletins epidemiológicos, mostram a soma de pacientes indígenas contaminados pelo vírus na área dos Distritos Sanitários. O distrito que compreende a área de Santa Maria recebe o nome de "Interior Sul" e inclui todo o Norte, Centro e Fronteira-Oeste do Estado, além de boa parte do território de Santa Catarina.
SEM REGISTROS
Até o dia 27 de setembro, a prefeitura de Santa Maria, caciques das aldeias Guarani e Caigangue, bem como o MPF afirmaram não terem sido registrados casos da doença.
Conselho Tutelar
Centro - (55) 3223-3737 e (55) 99973-6674
Leste - (55) 3217-7790 e (55) 99603-2022
Oeste - (55) 3212-5410 e (55) 99972-9638
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente - (55) 3221-0459
MPF - (55) 3220-9700
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